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domingo, 11 de setembro de 2011

a Reinvenção da Política!





Rodrigo Savazoni
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Das manifestações no Irã pela liberdade de expressão, via Twitter, aos recentes episódios de mobilização cidadã na Espanha, país onde, desde o dia 15 de maio, milhares de pessoas tomaram as ruas para exigir democracia, são cada vez mais explícitos e frequentes os exemplos de que as tecnologias libertárias, apropriadas pelas pessoas e pelas redes, transformam a forma de se fazer política. No Brasil, uma nova geração de ativistas conectados à Internet está criando os movimentos sociais do século XXI. Por meio de ações de construção democrática e métodos em geral provocativos, esses agrupamentos contemporâneos começam a confrontar as forças estabelecidas. Aqui, no entanto, a conjuntura difere da do Oriente Médio ou da Europa, onde a falta de democracia e a crise econômica estimulam a insatisfação popular. O Brasil atravessa o melhor momento de sua história, com estabilidade democrática, crença nas instituições e uma inédita inclusão econômica. O que há, então, em comum entre os movimentos brasileiros e o de seus pares internacionais? O que querem, afinal, esses novos agrupamentos sociais?
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Não são perguntas fáceis. A primeira característica comum desse movimento de caráter internacional é o fato de serem articulações cuja origem não está nas estruturas partidárias, sindicais ou mesmo nos movimentos sociais surgidos nas três décadas anteriores. São, acima de tudo, forças articuladas em rede, com forte influência do uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Há de se considerar também que são grupos que não se prendem a filiações ideológicas rígidas. Sua marca é a ação. Pode-se tentar compreendê-los buscando referências na esquerda libertária, mas boa parte de seus participantes também não se furta a buscar métodos e símbolos na cultura corporativa. Há uma forte conexão com o altermundismo, o movimento por uma outra globalização que se espraiou no final dos anos 1990 e no início da primeira década do século XXI, mas somente essa filiação não explica o que está ocorrendo.
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Se aproximarmos nossa lupa, veremos que é útil buscar respostas na cultura digital, que, conforme nos explica o professor André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, é a cultura que se forja a partir do surgimento da internet e da popularização da microinformática, processos iniciados no final dos anos de 1970. Essa cultura, baseada na recombinação e na colaboração, foi se alastrando pelo planeta e produziu um curto-circuito em todas as esferas: comportamento, economia, artes, mídia e, evidentemente, política. A percepção dessas transformações, com a massificação das tecnologias, só faz crescer. Conforme explica o professor Javier Bustamante Donas, em artigo para o livro Cidadania e Redes Digitais, organizado pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, essas tecnologias não são apenas “uma ferramenta de descrição da realidade, mas de construção da mesma”. Técnica e política, portanto, não podem ser observadas em separado.
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Interessante notar que o objetivo desse movimento “tecnológico” é a radicalização da política e da democracia, que vêm sendo paulatinamente aprisionadas pelos interesses econômicos e pelas posturas corporativas da classe política tradicional. Não à toa, surge nesse contexto a questão da transparência, em suas múltiplas acepções. No Brasil, um dos mais interessantes e combativos movimentos contemporâneos é a comunidade Transparência Hacker. Iniciado há quase dois anos, o grupo ganhou notoriedade quando, utilizando-se de uma prerrogativa aberta pela presidência da República do Brasil, clonou o blog do Planalto, que fora lançado sem permitir aos usuários interagirem com o conteúdo. Para evidenciar que o diálogo é a essência da rede, os ativistas hackers criaram uma página semelhante à oficial, a qual reproduzia integralmente os conteúdos originais, com o diferencial de permitir comentários sem qualquer moderação. Ganharam o mundo.
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“Eu gosto de pensar que somos ativistas do direito de fazer. É bizarro perceber a quantidade de impossibilidades a que grupos e indivíduos são submetidos quando querem provocar mudanças”, afirma Daniela Silva, da Esfera e da Casa da Cultura Digital, uma das criadoras da comunidade Transparência Hacker (#THacker). A comunidade na qual atua conta com apoio do escritório brasileiro do W3C, a instituição criada por Tim Berners Lee para manter a web aberta e livre, e já tem em sua lista de discussão mais de 500 membros, entre ativistas, jornalistas, programadores e gestores públicos. Daniela destaca que não existem regras prévias de participação, mas sugere que a “colaboração, liberdade, autonomia, ética hacker, abertura para formas novas de agir e de pensar sobre o mundo, valores políticos emergentes e mutáveis (ou mutantes) e um certo gostinho pela provocação” são as principais características do movimento.
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A jornalista e ativista recorda que foi justamente quando clonaram o Blog do Planalto que ela e seu grupo puderam sentir a força das redes. Aquilo que começou como uma pequena provocação ganhou notoriedade por evidenciar um jeito de agir que rompia com o tradicional. “Tinha gente da esquerda nos odiando de um lado, e gente da direita odiando mais do outro. Conservadores tarimbados acharam uma graça absurda daquele ato desmedido de liberdade. Libertários ferrenhos pediam nossa cabeça no Trezentos (blog que reúne uma ampla comunidade de defensores do compartilhamento do conhecimento). Uma grande quantidade de pessoas admiráveis achou o máximo”, relembra. Ela pontua que essa ação só foi possível porque o governo Lula adotara o Creative Commons como licença de conteúdo, numa iniciativa pioneira mundialmente. Foi, portanto, o próprio Planalto, a sede do governo brasileiro, que providenciou os meios técnicos para a provocação.
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Software Livre, Cultura Livre
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Voltando à investigação sobre a essência dos movimentos da cultura digital, é preciso recuperar o conceito de software livre, pois é por meio dessa articulação pioneira que o espírito de nossa época começa a se delinear. No início dos anos 1980, um grupo de engenheiros liderados por Richard Stallman criou a Free Software Foundation (FSF), organização com o objetivo de defender a colaboração e o compartilhamento quando os softwares começavam a se tornar instrumentos de enorme ganho financeiro. Para maximizar seus vencimentos, as empresas de tecnologia começaram a adotar patentes e mecanismos de proteção de propriedade intelectual, contrariando assim a essência do desenvolvimento científico, que é baseado na evolução a partir do conhecimento acumulado. Para “amarrar” a liberdade de compartilhar ao modelo de licenciamento, a FSF criou um modelo alternativo (a licença GPL), que passou a ser utilizada pelos desenvolvedores no mundo todo. Essa ação, aparentemente técnica, embutia um confronto político que cresceria desde então: o da luta contra a propriedade na era do conhecimento.
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Essa visão de superação da propriedade privada é comum a todo movimento de cultura digital, e foi estabelecida como diretriz pelos ativistas que, em 2003, participaram da elaboração dos Pontos de Cultura. Convidados a trocarem informações com o poder público, esses agentes propuseram construir em conjunto com os criadores populares noções de compartilhamento do conhecimento e uso do software livre. Essa história vem sendo recorrentemente contada, justamente por ser um caso de sucesso. Pouca gente sabe, no entanto, que na base desse movimento havia uma rede organizada, em processo de construção, que até hoje se constitui como um repositório de ideias inovadoras. Trata-se da rede Metareciclagem.

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“A metareciclagem é mais um foco de potência de ação política – porque as pessoas trocam entre si – do que uma instância política autônoma, que tenha uma coerência”, explica o ativista Felipe Fonseca, um dos remanescentes daquele grupo que formulou o kit multimídia dos Pontos de Cultura e que lançou recentemente o livro Laboratórios do Pós-Digital, disponível para download. “É um espaço de diálogo entre diferentes formas de ambientação política. Isso configura uma forma de ação política em si, mas é muito difícil de tratar dentro da experiência da política tradicional”. Ativa há oito anos, a rede segue produzindo inspiração e articulação. O ponto de contato é estabelecido por meio de uma lista de discussão e da plataforma da comunidade, cujo endereço é www.metareciclagem.org
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FONTE: http://www.revistaforum.com.br

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