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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Eduardo Campos: “Chega de aparelhamento” Partido Socialista Brasileiro - PSB


A Revista Veja – edição 2192 de 24 de novembro de 2010 – publicou em suas páginas amarelas entrevista exclusiva com o presidente Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e governador de Pernambuco Eduardo Campos. Confira aqui a integra da entrevista: Mesmo na condição de aliado histórico do PT, o governador de Pernambuco condena o loteamento de cargos, o corporativismo e defende a meritocracia

O socialista Miguel Arraes governou Pernambuco por três vezes e antes de morrer, aos 88 anos, já havia sido alçado a condição de lenda pela esquerda brasileira. Seu neto e herdeiro político, Eduardo Campos, ainda não angariou tamanha fama, mas está seguindo os passos do avô. Aos 45 anos, foi reconduzido ao governo de Pernambuco, em primeiro turno, com 83% dos votos. Presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) desde 2005, ele ajudou a converter um partido nanico na mais nova força da política nacional, com seis governos estaduais, quatro senadores e 35 deputados. Esse placar tão reluzente fez com que, desde já, surgissem especulações de que Campos pode vir a ser candidato a sucessão da presidente eleita Dilma Rousseff. Por hora, no entanto, ele assumiu uma tarefa: a de restaurar o diálogo entre o governo e a oposição, da qual é próximo e com a qual compartilha políticas administrativas. O governador, economista, casado e pai de quatro filhos é obcecado por eficiência gerencial e defensor ardente da meritocracia. Ele conversou com VEJA em um domingo, no Palácio do Campo das Princesas, construído no ponto em que se encontram os rios Capibaribe e Beberibe.

O PSB era um partido nanico. Em outubro, elegeu seis governadores, 35 deputados e mais seis senadores. Como passará a se comportar?
De fato, mudamos de patamar. Seremos responsáveis por esses governos estaduais e teremos deveres também no governo da presidente Dilma Rousseff, que ajudamos a eleger. Não reivindicaremos cargos, mas queremos discernir os critérios de indicação em todos eles. Não podemos mais aceitar que os ocupantes de postos públicos sejam nomeados por oligarcas, coronéis e chefes políticos. Não e mais possível aceitar o fracasso de um gestor só porque ele pertence a um partido aliado. Tem mais: o partido que indicar alguém para um cargo público tem de responder pelas atitudes do indicado.

O senhor está criticando a política de aparelhamento do estado, mas eIa atingiu o ápice no governo atual, que o senhor apóia e do qual foi ministro da Ciência e Tecnologia.
Precisamos compreender o governo Lula dentro do contexto histórico e do momento político em que ele era inserido assim como temos de fazer com os governos de Fernando Henrique Cardoso e ltamar Franco. É preciso entender que o Brasil está fazendo conquistas. Já incorporou os valores da responsabilidade fiscal e da necessidade de respeitar contratos. Agora, é hora de os governantes adorarem o preceito da gestão eficiente. Estamos por construir o Brasil do "fazer", em que as escolas, a saúde e a segurança funcionam. Isso só será possível com a defesa da meritocracia e o enfrentamento do corporativismo doentio que corrói o serviço público.

É discurso de candidato a presidente da Republica. O senhor pretende ser candidato?
Sou candidato a fazer um governo melhor do que fiz nos últimos quatro anos. Por ora, e só. Abrir um debate eleitoral neste momento é desrespeitar não só quem votou em mim, mas também os que elegeram a presidente Dilma.

Como a presidente conterá o apetite por cargos de partidos como o PMDB, que seu correligionário Ciro Gomes define como "um ajuntamento de assaltantes”?
Depende de qual PMDB estamos falando. São tantos os PMDBs...

Ciro Gomes não fez distinção e se referiu ao presidente do PMDB e vice-presidente eleito, Michel Temer, como "chefe dos assaltantes".
O PMDB tem o seu lugar no governo. A presidente eleita Dilma só não pode deixar que esse partido faça o que bem entender - aliás, nem o PMDB, nem o PT, nem partido algum da base aliada. Dilma terá de impor seu programa, e quem fizer parte do governo terá de segui-lo. Não se pode mais governar o país com cada ministro atuando baseado nos critérios de sua legenda. A máquina pública tem de ser preenchida por pessoas que apresentem resultados. O governo não pode mais ser aparelho de partido nenhum. Se não impuser esse tom, perderá o controle da situação.

Como Dilma abandonará as práticas adotadas peIo seu padrinho e antecessor?
Uma coisa tem de ficar bem clara: Dilma é uma pessoa, Lula é outra. A relação de Lula com o povo foi construída em quarenta anos de militância. A de Dilma começou na campanha, e só será consolidada pelos resultados do seu governo. Dilma vai compensar essa dificuldade na articulação ao apostar na gestão. O que não pode é deixar que o cerco dos partidos, inclusive o meu, a atrapaIhe na montagem da sua equipe. O patrimonialismo partidário não faz bem a governo nenhum.

O petista José Dirceu diz que, com Dilma, o PT finalmente chegará ao poder. O que o senhor acha?
É um grave equívoco. Nenhum partido deve ser maior do que a presidente da República, que foi eleita pelo povo com o apoio de vários partidos. A maior contribuição que o PT pode dar não é alimentar esse tipo de postura. Aliás, se lermos com cuidado o resultado do primeiro turno da eleição, entenderemos que a população já deu esse recado. A disputa não foi decidida naquele momento, porque muitos acharam que a nossa coligação não precisava responder nada a ninguém. Denúncias e questões sérias foram mal esclarecidas. O tom adotado, acima do conveniente, também não ajudou. O pessoal estava confiante demais. É importante que aprendamos a lição: mais difícil que saber perder é saber ganhar.

Foi o PT, então, o responsável pelo segundo turno?
A sociedade mandou um aviso geral para o nosso pessoal baixar a bola. Tudo na nossa campanha passava um tom de arrogância. Por exemplo: como parecia que iríamos ganhar no primeiro turno, alguns aliados transmitiram a impressão de que poderiam atentar contra algo que, além de preceito constitucional pétreo, é muito caro aos brasileiros: a liberdade de expressão. Foi um debate equivocado no calor da véspera de eleição. Não há espaço para isso no Brasil.


Mas setores do PT e de seu partido continuam a acalentar a intenção de controlar a imprensa.
É um erro. Não devemos alimentar nenhuma experiência ou tentativa de diminuir a liberdade de imprensa. Tão importante quanto honrar contratos, cuidar do povo mais pobre ou proteger a natureza é respeitar a liberdade de expressão. Quem já foi vítima da censura sabe que não se pode brincar com a liberdade.

O senhor acredita que o governo Lula reagiu mal a denúncias de corrupção, como as que envolveram a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra?

Nesse caso específico, o presidente Lula foi rápido. Afastou Erenice de suas funções e orientou os órgãos de controle do governo a iniciar procedimentos para apurar as denúncias.

E nos casos dos Correios, do mensalão e outros...
Vou me ater ao caso Erenice, cuja descoberta teve um impacto negativo. Ele colaborou para a realização do segundo turno na eleição presidencial, mas acabará sendo positivo para a formação do futuro governo. Depois do escândalo de Erenice, Dilma jogará duro para evitar constrangimentos como os provocados por essa ex-assessora.

Que outras lições o governo deveria tirar da eleição?
A presidente deve ter um diálogo institucional com a oposição. Já deu um passo nesse sentido quando, depois da vitória, se mostrou receptiva ao entendimento. Os partidos derrotados na eleição presidencial continuam com enormes responsabilidades. Administram grandes prefeituras e governos de estado. Por isso, é prioritário construir uma ponte com eles.

O senhor foi escalado para fazer essa mediação com a oposição?
Tenho falado com alguns amigos do campo adversário sobre a necessidade de reaproximação. Mas defendo a tese de que esse debate não pode se basear em relações pessoais, e sim em relações institucionais. O PSDB governa oito estados, que, juntos, têm metade da população do país. É hora de desmontar os palanques e pensar o Brasil.

Qual é a principal diferença entre o governo atual e o que está por vir?
O presidente Lula repetia que não podia falhar, por ser o primeiro filho do povo a governar. Da mesma forma, Dilma também não poderia falhar. Ela tem muita clareza sobre a responsabilidade de ser a primeira mulher a governar. Dilma investirá em sua capacidade fundamental, a de gerenciamento. Se montar uma equipe cujos principais critérios de escolha sejam técnicos e éticos, ela introduzirá no governo federal a cultura da gestão.

A sua administração conseguiu bons resultados na área da segurança uma questão que preocupa muitos estados, inclusive da Região Nordeste. Que ações podem ser aproveitadas por outros governos?
Quando fui candidato pela primeira vez, disse que o combate a criminalidade seria uma prioridade de minha administração. Depois de eleito, instituí um programa de monitoramento do crime que reduziu em 40% a taxa de homicídios no Recife. Tinhamos a capital mais violenta do país. Agora, estamos na quinta posição. Mais de 400 milícias e quadrilhas foram desbaratadas. Passamos a premiar os policiais que cumpriam as metas com 14º salário e a pagar gratificações por armas apreendidas. Para mim, só com a meritocracia melhoraremos os serviços públicos. Ao mesmo tempo, investi na educação integral para tirar as crianças das ruas e evitar, assim, que elas fossem cooptadas pelos bandidos. Fizemos um bom trabalho na área de segurança, mas cumpri o que prometi também no que se refere à gestão. Pela primeira vez na história de Pernambuco, o governo aumentou os investimentos sem elevar a carga tributária.

Mas, se foi possível conseguir esse resultado com a redução do custeio da máquina pública, por que o senhor defende a volta da CPMF?
No início do mês, meu partido discutiu a volta da CPMF. Quero dizer que sou contra. É verdade que enfrentamos uma grave crise na saúde pública, mas não aprovo a criação de nenhum tipo de contribuição. Antes de discutir um novo imposto, é preciso melhorar a qualidade dos gastos no setor que está entre as piores do mundo. 0 Brasil ocupa o 79º lugar no ranking da Organização Mundial de Saúde no que diz respeito à eficiência da despesa. Temos de encontrar um jeito de ampliar o atendimento da população e de cobrir o déficit das contas na saúde, mas a CPMF não é a solução.

O Bolsa Familia é um programa assistencial sem porta de saída. Até que ponto ele é benéfico para o Nordeste, onde está o maior contingente de seus beneficiários?
A necessidade de fazer um programa como esse é sinal de que as coisas não estão bem. Uma parcela das pessoas que recebem o Bolsa Familia vai sair para o mercado de trabalho à medida que for sendo qualificada e a economia crescer. lnfelizmente, muitas estão condenadas a receber o Bolsa Família por um largo tempo. São pessoas que não comeram até 1 ano de idade, não tiveram acesso à escola... Vamos precisar de tempo para corrigir essas desigualdades. A porta de saída só aparecerá em duas gerações. É o preço que temos de pagar para corrigir erros históricos.

O que o Nordeste representa para o futuro do Brasil?
Somos parte da solução brasileira. Fomos vistos por muitos anos como um peso. Mas, nos últimos anos, é no Nordeste que o Brasil tem crescido mais. Pernambuco é um exemplo das oportunidades que a região oferece. Aqui, o consumo de produtos alimentícios e de construção civil cresce a taxas anuais de 20%. Pessoas que deixaram o Nordeste para tentar a vida no Sudeste estão voltando para casa. Quando uma região sai do atraso, quem mais ganha são as áreas desenvolvidas, que sofrem menos pressão sobre seus tecidos urbano e social. A revolução nordestina terá reflexos positivos em todo o país. Descentralizar o desenvolvimento é bom para o Brasil. Não queremos privilégios, mas um tratamento equânime.

Revista Veja

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